quarta-feira, maio 09, 2012

Explicações sobre a dormência do blog

Vou dizer pros meus parcos leitores dum jeito bem rápido porque o blog anda meio às moscas faz quase meio ano. Desde dezembro bastante coisa aconteceu pra mim e foram mordendo cada vez mais meu cérebro e eu quase não tive saco pra fazer nada diferente nessa época. Agora parece que tudo começa a se encaixar e volto a ter vontade de escrever.
No começo, o blog era pra falar de tudo - filmes, livros, e uns pitacos na política da cidade, principalmente a cultural, algo que qualquer araponguense sabe que não existe. Mas adotei outra cara ainda quando o blog nem engatinhava. Comecei a publicar rascunhos de ficção e a ficção tomou de vez  os posts daqui. Me parece hoje ser meio tarde pra voltar atrás, a despeito de admitir que fosse um jeito mais fácil de atualizar amiúde o blog. Só que pra falar de filmes e livros há blogueiros muito melhores que eu. No blog roll do lado você encontra alguns deles, como o Milton Ribeiro que volta e meia solta seus pitacos sobre música, cinema e literatura. Não conheço o cara. Mas, vão por mim, ele é bom. E como debater a política cultural de uma cidade em que a Secretaria entende como cultura contratar banda show pra tocar no carnaval de rua ou pôr o Papai Noel numa casinha o mês de dezembro inteiro. São poucos os que se arriscam a produzir qualquer coisa que se possa chamar de cultural. Como o maluco que não conheço pessoalmente, mas sobre o qual muita gente fala, esse aqui. Arapongas é uma cidade operária. Os únicos cursos da Universidade entupidos de gente são direito, marketing e administração. Eu particularmente penso que já estamos pagando muito caro por isso. Diversão nessas plagas é você pegar num barzinho um show sertanejo ou ler alguns livros de qualidade duvidosa. Cada um faz da sua vida o que quiser, vocês já devem ter ouvido isso muitas vezes. Mas não é bem assim. Há uma rapaziada aqui que podia estar aproveitando seus minutos duma forma muito mais empolgante e intensa, com experências estéticas pro resto da vida. Outra hora falo mais disso.
Como disse, voltei a escrever. Só que a ideia é produzir alguns contos, não sei quantos ainda, e depois juntá-los com mais um que publiquei no blog - e que acho realmente muito bom, que é esse aqui, claro que vou fazer algumas edições - e fazer um PDF bonitinho. Talvez nem fique tão bonito assim porque conheço pouca coisa de informática e  creio que vou acabar fazendo tudo, inclusive a capa. Mas só pra pôr pra galera baixar, caso queira guardar uma lembrança minha, mesmo virtual. Admito que isso é algo bem piegas. Vaidades, quem não as tem? Esses textos demoram um pouco ainda. Tenho um escrito. Outro começado. E o argumento dum terceiro. E no meio de tudo isso uma monografia pruma pós de cinema e a ideia de filmar - ainda não sei como e com quem - uma adaptação pra esse conto. E há vários perrengues no meio do meu caminho, inclusive uma feira que vai me sugar por alguns dias, mas vou empurrando.
Há muito pouco pro livro ainda. Porém é só questão de ajustar o relógio e produzir. Depois vem o tempo pro texto condensar, deixando-o  esfriar bem pra ver se é bom realmente, ao menos pra mim. Já disse que é tosco até, mas é uma vontade e acho que ninguém podecontrariá-la. Enquanto isso vou pensando num jeito de manter mais atualizado a bagaça aqui. Abraços e obrigado.

sábado, dezembro 10, 2011

A meu avô

Ele joga a caneta. O quarto -tem uma mesa no canto e alguma literatura e a Bíblia- fica escuro. João Batista encosta a porta. Vai pra sala. A gatinha vai do lado. É feiinha, mas a tem faz cinco anos e se acostumou ao pelo escuro falhado. Quando chegou as costas estavam vermelhas e descascando. Ele se estica na poltrona e pega o jornal de dois dias atrás. Dá uma olhada nas fotos e passa pelas notícias. Empurra pro lado. Madalena entupida de sacolas abre a porta.
- Me ajuda aqui João.
Ele se levanta e pega duas sacolas, Madalena entra e ele fecha a porta.
- Tentei escrever e não saiu nada.
- Uma hora ou outra você consegue.
- A mente de poesia saiu.
- Distrai a cabeça que tudo volta.
Madalena se move dum jeito bem mais duro. Vivem numa casinha de água furtada. Falta pro João um pedaço do indicador esquerdo.
Há um quadro grande de moldura marrom com filigranas bem no meio da sala. “A gente passou da hora se a filharada começa a morrer”. Ela está na cozinha limpando a mesa para o almoço e fica confusa com tantas cadeiras. Madalena e João Batista falam bem pouco, com medo de faltar assunto à noite. Ele, com a cabeça de lado no travesseiro, olhando a escrivaninha e a Bíblia, ela vendo mosquitos rodearem o abajur. O sono vai demorar. Madalena raspa o pé na perna porque o silêncio corta o coração. João Batista puxa algum assunto. Ela respira. 
Os dois se conheceram meio sem querer.
Ia mancando nos sapatos de bico fino à casa de Madalena, que esperava no portão, e uma flor ele trazia e prendia nos seus cabelos. Ela sorria dum jeito leve, mostrando no canto esquerdo os dentes branquinhos, a boca meio torta. Madalena ficava muito bonita sorrindo assim.
João Batista declamava poesias. Ajoelhava-se e dizia de cor, sem nem tirar do bolso o papel manchado e dobrado bem pequenininho. Teve cócegas com os pelinhos finos do buço de Madalena acariciando a sua boca. João tinha o cabelo cheio de pomada e um vento ingênuo de fumo adoçou o nariz dela. 
Desde que o filho mais velho morreu sente que a mulher desanima e ele vai desanimando, desanimando sem querer. Madalena busca, João tenta fugir. Sempre quis que ela morresse primeiro. É de vidro, está trincada. Ele aguenta.  Madalena ia morrer sofrendo menos.
A mente de poesia sumiu. João Batista se movimenta devagar entre as bugigangas no quarto de forração azul. Ela põe na panela a rabada que ele gosta, e que agora faz mal.
O presente se tornou eterno e pesado. Os anos aumentaram as pernas, cresceram as mãos, deixaram o rosto mole e fácil de amassar, torcer, puxar, encolher e esticar, os braços secaram e o couro vem e vai. João mastiga as gengivas que têm o gosto do surubim que comeu numa fazenda. Ele e o pai. Foi uma das últimas vezes que se viram, foi uma das poucas vezes que o pai olhou pra ele e sorriu dando pro rosto aquele jeito besta e tão humano. O sorriso quase seco de seu Armando iluminado de satisfação.
Numa noite, a cem metros de casa, calçou a botina de bico aberto e o ar seminal da madrugada bateu nas bochechas. As estrelas brilhavam, a lua amaciava a ameixeira perto da estrada. Uma cobra foi rastejando pro mato, deixou a terra se afogando na noite livre. Lá longe clarões de aurora mostravam amanhecer nalgum lugar, trazendo cheiro das chaminés e da grama e do café soprando quente e dos tocos no fogão de lenha e João Batista apareceu na vendinha e tomou uma xícara, engoliu duas fatias imensas de pão e respirou. O rosto começava a se encharcar pelos olhos. Ele riu. Ergueu as mãos marcadas de enxada e riu de novo. O café escorria na garganta e esquentava o coração.  A venda não era diferente da casa que estava deixando. Tinha as paredes cinza comidas de podridão. O balcão preto mal aplainado mostrava a tristeza santificada pela imagem de Nossa Senhora Aparecida acima da prateleira, a santa de olhos calmos e tristes. 
Madalena se emburra pra gatinha brincando com um rato do lado de lá da janela. O vapor sai da panela de pressão e passa os dedos dentro da barriga e ela tira os pratos do armário. João vem, avança a boca para a testa mas volta; a timidez para de acanhar e a intimidade se esconde. Sabe que João a ama. Mas não precisa mais de toques. Só que sente falta.
João vai à calçada. Um motorista tenta acelerar um casal apaixonado.
Ela vestia vestidos de pregas rodados e se lavava com alfazema, esperando João. Ele vinha e declamava poesias de cor sem gaguejar, os cabelos afundados pelo chapéu soltando suor. Cheiro do seu homem. Ela esperava desde criança, o pai trazia doces, pegava no colo e se metia a contar histórias da cidade. O lampiãozinho queimando um óleo que fedia bastante e ela fungava o fedor misturado à cachaça do pai.  A mãe brigava com Adão, que estava mimando demais a filha. Ele fazia de conta que não escutava.  João dizia como a madrasta lambava as suas costas no pinto de boi ressacado e ela à noite escorregava as mãos na foto e chorava soluçando “pobre João”.   Madalena pensa na mão dura e rachada do pai pegando um pedaço de pão e enfiando na panela e mordendo aquela fatia que pingava pela cozinha toda repimpando a cara de alegria. 
Isabela e Fernando dão de ombros. Nem se viram pro velho na calçada e fecham os ouvidos pro motorista apressado. Os cabelos loiros encaracolam até o meio das costas. O motorista buzina e eles continuam no meio da rua, o velho está calmo e o motorista bufa. Se cansam e vão pra calçada, misturam os passos. As pernas se enroscam. Ele chuta o calcanhar, ela tropeça e belisca seu braço. 
- Foi sem querer.
- Sei!
Ela fecha a cara, ele fala baixinho no ouvido. Passa a língua no pescoço. Ela ri. Balança os cabelos perfumados e o narigão dele coça de amor. Entram na casa e Isabela vai pro quarto. Fernando tira do bolso e coloca no meio do caderno dela um bilhetinho de cantos amassados. Está vendo ele pela fresta da porta. Depois que for embora Isabela vai virar o caderno de cabeça pra baixo e chacoalhar até cair. Duas ou três vezes por semana vai encontrá-los, escritos em letras esquisitas e cheios daquelas palavras que a gente não sente vergonha quando está apaixonado. O que Fernando escreve faz traquinagens no coração dela. 
As fotos na estante o deixam feliz. É Isabela a menina com chuquinha vermelha! Vê se pode a cara de arteira, essa Isabela! Ela volta e passa os dedos na orelha dele. Aperta os olhinhos azuis e escancara o beiço num sorriso nada recatado. Fernando se levanta e vai atrás, Isabela põe a mão na boca do atrevido que pediu um beijo antes até de perguntar nome. Empurra segurando a gola da camisa e traz ele de volta e sapeca outro beijo. Ela tem riscos fortes no rosto rosado. 
- Eu te amo – ele diz.
Dá outro beijo e arrasta Fernando à cozinha, pega leite condensado e chocolate.
- Faz.
Ele cozinha uma panela de brigadeiro e Isabela dá uma colherada pra ele outra pra ela, vendo TV. Tudo ia parecer tão brega e infantil se eles, que passam na calçada arrastando suas vidas, topassem com Isabela enrolada no colo de Fernando e as mãos dele brincando na pinta negra do braço dela! 
A tardinha vem chegando e o céu fica menos azul. Os dentes brancos e compridos de Isabela de cuspezinhos brilhantes. E Fernando com cara de bobo.
- A gente vai casar. E não vou deixar mais você sair de casa. É só minha.
- Tonto!
A gargalhada se fecha, vai se fechando e Isabela entorta as sobrancelhas.
- Se meus pais tivessem ido o que a gente ia fazer agora?
- Eu ia estar na casa de outra menina comendo brigadeiro e falando que amava ela.
- Seu besta! Tô falando sério.
Isabela abraça os joelhos e enfia a cabeça no meio das pernas. Fernando fica alisando a almofada de crochê. O retrato na estante de quando Isabela tinha três anos e uma falha enorme. Faltava um dente. Tropeçou e engoliu.  Está rindo e é a foto que Fernando mais gosta.
- Eu te amo. Não chora.
- Se tivessem ido embora nem você me amava nem eu ia te amar. Já disse pra outra menina que amava? 
- Claro que não!
- Fala a verdade. Nem quando era criança?
- Ah, criança sim. Mas não vale.
- Por que não?  Por que não?
Ele está andando de volta pra casa. As pessoas falam baixo, roupas de trabalho, bicicletas velhas, enferrujadas. Carregam sacolas gigantes no guidão. Há pacotes e outras vêm atrás com mais pacotes. Criancinhas em uniformes de creche na garupa fazem birra e Fernando dá risada pra elas. Ficam com vergonha e ele vira um pimentão. Até ontem jogava água quente nos gatos. Agora ama. Ri de novo e de novo fica vermelho. Chuta uma pedrinha. 
Um jornal quase inteiro espera Aílton e o casal lesmando no meio da rua! Ela é bonita por trás e ele parece forte. Que pena, esses pobres diabos! De esguelha observa o senhor na calçada tranquilo, cuca refestelada na árvore imensa que peneira o Sol dum lado ao outro. Ele rumina a vida como se Aílton valesse menos e vai ver vale ou esse senhor com muitos anos a menos buzinou pralguém se sentindo só e com inveja. A inveja é casta.  
Sônia fingiu orgasmo a noite passada e ele a foi estocando compassadamente meio sem querer. Sônia tem os cabelos curtos e as unhas de esmalte discreto. Aílton era esquisito e desengonçado, de óculos de aros grossos. Sônia tem filhos, cachorro, casa, máquina de lavar, empregada, TV, carro. 
Aílton solfejava poesias e Sônia o edulcorava com seus imensos olhos claros. Ela é bonita. E Aílton, com seu carro, está entre o senhor e o casalzinho. Aílton está no meio dos dois. Ele, seu carro e seu jornal.  O homem calmo esperando o sol esfriar embaixo duma imensa árvore, jogando olhos leves e espertos pra ele e pros amantes. Andam no meio da rua e pouco se preocupam se as pessoas têm pressa e se podem fazer algo diferente de amar. 
Aílton buzina outra vez.  Sônia um dia escreveu uma carta longa, mais de dez páginas rasuradas. E Aílton sorriu no quarto, quietinho. Sônia chorava enquanto escrevia. Depois de escritas possivelmente censuraria sua própria impudicícia ou que aquelas palavras se tornariam nada, não mais seu sentimento quando Aílton lesse a carta, mas o sentimento dele usando o punho dela pra reafirmar coisas que ele imaginava. E ao escrever esvazia seu coração. Mas era o que tinha a fazer.  Ele a ama. Mas há uma edição faltando bem mais da metade! Pro senhor e pros jovens restam seus problemas. Pra uns, tão efêmeros e apinhados de esmero que se morre hoje e amanhã se levanta de olhos alegres e beija o dia com ternura; pro outro todo dia é belo e sorumbático porque é dia.

quarta-feira, outubro 26, 2011

Cientificidade


A mulher do meu cunhado fez exame de sangue e descobriu que esforço, fé, esperança e privações valeram nada. Depois de três meses, muitas agulhadas na barriga e grana com a inseminação não estava grávida.
E tem gente se mantendo sem bambear as pernas enquanto tabula com mãos e olhos fleumáticos desejo, medo, desespero, segurança ou alegria até na hora em que as pessoas ainda estão gritando.
Chorei pela minha concunhada. E ela chorou bem mais, claro. Se sentindo tão estéril como tantos outros com a mente tão atarantada de necessidades tão pessoais -e por motivos mais complexos e pessoais ainda- e que acabam analisados por quem aprendeu a ver fundo e igual, descascando o que nunca deixou de ser essência. Enquanto chorava quiçá tenha mandado à merda questões psicológicas, biológicas, morais e sociais. Tomara que só tenha recorrido a elas depois de enxugar o rosto.

segunda-feira, setembro 19, 2011

Ficção

O telefone está tocando. Começou baixinho, lá longe, e agora faz um barulho insuportável, igual a pontada seca ardendo no fundo do ouvido. Espreme e torce e revira e chacoalha e berra dentro da cabeça. natanael nem tenta se levantar. As pernas trôpegas continuam esticadas, o lençol retorquido, e o telefone para. Chegou em casa e lourdes vomitou um beijo ensopado e sensabor na sua boca, fez o prato, colocou mais água no suco, deu toalha e roupas limpas. Tudo sonso. O telefone recomeça. E natanael puxa o travesseiro sobre os cabelos duros. lourdes levantou cedo, saiu fazer faxina. 

ele trabalha ali pertinho de casa, numa Revenda de Automóveis. Seu espaço é o fundo, tentando dar jeito no motor vazando óleo, enferrujado, fazendo maquiagenzinha pra colocar à venda no setor de usados, mas que todo mundo chama Seminovos. Seminovo tem cheirinho de carro velho.

O telefone volta. Vem arrebentando natanael, que rebola em semicirculos, faz caretas e aperta mais o travesseiro. O telefone toca e parece pirraça porque já teria dado pra notar que, se tem alguém em casa, coisa que com certeza não quer fazer é atendê-lo. E o telefone para e recomeça. Recomeça e para e natanael fica puto. A cabeça dói. A mulher saiu pra trabalhar e ele que só entra depois do almoço ainda tem que fazer o almoço pra ele e pra ela. 

O telefone berra e natanael sem saber por que se lembra, contaram no Serviço, que o Grande-Prefeito levou o Filhão pra casar no Estrangeiro chamando pencas de Fotografáveis-De-Colunas-Sociais-Regionais e natanael nem sonha quanta Grana. ele pergunta a seus botões como alguém vira Grande-Prefeito dum lugar que acha indigno prum reles Casamento.  Na verdade natanael imagina o quanto é tão sem ter o que fazer quem vai Casar Longe de casa. Na Europa, por exemplo. 

O telefone rouqueja. E a cabeça de natanael dói. natanael tem moto. ele e milhares de cidadãos que empurravam, na subida, bicicletas tempos atrás. Voam apressados e volta e meia alguém espatifa os miolos em Postes, Placas, árvores, Carros, Muros e em outras motos. Mas por que não? É o progresso, dizem. Aliás só os mais velhos falam progresso, o Sim Senhor solfeja Desenvolvimento e parece que o Sim Senhor é que está certo. Se Desenvolve sem progredir. Os olhos de natanael piscam miudinhos ao verem o Sim Senhor chegar no Carrão Bacana e é muito estranho porque o Sim Senhor é todo bonito e enorme enquanto está Lá Dentro, logo que desliga e desce -camisa e calça jeans- o patrão se apequena. Daí natanael perde o interesse nele, só volta a ter na hora em que o Sim Senhor dá ordens.

Eita barulhinho insuportável! Os ouvidos de natanael ecoam e misturam quando toca de verdade e quando é coisa da cabeça. Sim Senhor contou a História do Vencedor que pulou de lacaio pra um dos Mais Próceres Empresários da cidade. Mas o Sim Senhor se esqueceu da lenda de que o Vencedor numa tarde de garoa fria e embaçada olhou pro Pátio e maldisse os carros de menos de dez anos dos empregados. Nem o Vencedor tinha Carros Novos e Tantos assim! Foi forçado a agir. Muita gente rodou e muita gente foi recontratada meses depois pela metade do preço. natanael pensa que seria legal ser Sim Senhor ou Vencedor pra contratar o osvaldo e fazer ele se foder. Pra que ser Dono se for pecado humilhar de leve de vez em quando? Mas a lenda é historinha...

lourdes, improvável. ela tenta irritá-lo o mínimo, principalmente depois que o Sim Senhor montou Turnos, jogando os ajustes nos Seminovos pra quando há quase ninguém ali e é possível deixar essas Coisinhas tinindo. natanael ficou fodido, apesar de o Sim Senhor ser Senhor Bom, Humano, que chega e o abraça todas as manhãs, conta piadas, dá umas tiradas. Sim Senhor não rouba e se não rouba, não estupra nem trafica é errado dizer que o Sim Senhor fode com ele ou com quem compra os carros. Raiva passa.

O telefone mia. Está com vontade de ir lá e sentar o pé. E o telefone é responsável. Como arrebentá-lo?! Se fosse numa briga com lourdes, tudo bem. Dava pra arremessar na parede, estraçalhar aquela coisa azul-calcinha. Sentiria culpa de nada. Teria continuado racional. Agora é o mesmo que bater em lourdes por pentelhá-lo. Capaz de dizerem que é louco, louco igual o valdemar, internado depois de chapar durante meses 100 Gotas de Rivotril no café da manhã, receitadas pela Psiquiatra da Firma. Claro, Ela não receitou 100, mas no Frasco vem bastante.

natanael aperta a cabeça, espreme pra diminuir a dor brotada pelo trililim e daqui a pouco é a vez de ir pro ar o Futuro-Grande-Prefeito que mudou pro Partido que não é Partido mas  um Amontoado de Letrinhas e Refeces acostumados a dar rasteiras uns nos outros e as histórias de como são passados e passam pra trás se tornam chacotas adoçando as curtas e amiúdes libadas no Whisky de Rótulo Azul ou no mínimo Preto. 

natanael cerra as mãos como se do telefone fizesse suco. O grasnado renitente diz que tem de acordar logo, escovar os dentes, jogar água no rosto, fazer almoço, almoçar, ir pro Trabalho, ver a cara do martins carrancuda. o martins deixa a Injeção Eletrônica ronronando como Nova e não conta pra ninguém que e só tirar o cabo negativo da bateria e esperar poucas horas.  Curva o sobrecenho e pontifica, o motor  está fodido mesmo, tem de Limpar Bicos e o Caralho A Quatro.

O telefone toca. Só que natanael desistiu de pensar por hoje. Pensar piora a ressaca e come os miolos, melhor deixá-los pras coisas que importam, pensa bem rapidinho.

terça-feira, agosto 30, 2011

Dia sinestésico

Tá soprando um bafo úmido e quente no minúsculo jardim sombreado pela arcada robusta e velha duma arquitetura que não é porque é velha que se salva. A gente trabalha aqui faz oito meses. E ninguém tem ideia de quando volta pro andar redivivo, cortado a paredes de gesso, mesas, ar condicionado, portas encostadas e barulhos de teclado indo e batendo nas divisórias, voltando pro ouvido aguçado na surdez de um escritório onde ninguém vê ninguém.  

A sede fica num prédio que tem menos de 30 anos e já se esboroa inteiro. Ia pra janela fumar e observava as pessoas lá embaixo. Quase sempre as mesmas. Nunca lhes disse “oi!”, mas viraram amigas; a amizade é uma atitude autorreflexiva. 

Trabalho numa sala antigo quarto -a gente tá numa casa transformada em ponto comercial-, com uma grossa porta de peroba de maçaneta rococó que chega a lixar as mãos, dura e áspera. Fumo, na maioria das vezes, na edícula da churrasqueira, a churrasqueira entupida de cinzas das pessoas que moraram aqui algum dia. 

Semana passada comecei a ir fumar de vez em quando lá fora, perto do jardim. É uma rua bonita. Vagueiam pessoas comuns, senhoras carregando sacolas de supermercado, mães voltando do colégio de mãos dadas com pivetinhos naquela idade em que todos são “uma gracinha!”. Só se estraga pela modelagem invasiva de construções velhas e novas. Fariam falta nenhuma se sobraçassem. 

Quase sempre o calor me dá coceira, enche a pele de vergões. Menos o hálito morno desta tarde.

Enquanto fazia aulas pra carteira de moto, meses atrás, tive a sensação de ser levemente arrastado pelos ares, como se flutuasse. Fui pro carro e demorou uns minutos praquele “arrancamento” murchar -ninguém em casa teve moto-, ia esmaecendo e eu o segurando, tilintando os dentes, afrouxando os dedos pra alongar um tiquinho a satisfação de ter chupado um estranhamento ao “natural”. 

Já não faz diferença se tô de carro, a pé ou de moto. Merda! 

Na frente da casa, olhando de soslaio à esquerda numa curvatura de não sei quantos graus, se vê ao fundo mais grama e árvores marcadas por nódoas cinza mas carregadas de folhas verdes  adejando sobre o telhado do ginásio municipal. Se se mantiver concentrado nem dá pra sentir o concreto que suja os irisados raios de sol destilados entre essas árvores gigantes; pintam a grama com ouro. Não dá pra ficar muito. Mas é um intocável respiro prum dia corrido, dia útil, dia de trabalho, dia de corroer os miolos salvando a pele dos outros enquanto a minha vai sendo salgada pro jantar.

quarta-feira, julho 27, 2011

Quem me encontrava na balada agora pode agendar uma horinha nas filas do supermercado

Ficaram prontos ontem o álbum e o vídeo do meu casamento. Recortes duma festa em que se fica de pé o tempo todo vendo por todo lado neguinho enchendo a cara de uísque e cerveja e dá vontade de chorar assistindo às economiazinhas descendo goela abaixo dum monte de gente que nunca viu antes e nem vai ver depois. Vi e revi o álbum na casa dos meus pais. E chegando, na minha, colocamos o DVD pra rodar. Era assistir enquanto tomava uns goles, perder no sofá uns 30 minutos...

Só que os caras abusaram da paciência. Fizeram uma coisa de duas horas! Duas horas! É legalzinho até observar como dos dois lados tem gente feia pacas, dar risada de danças epilépticas e ver que a galera perde a noção do ridículo ou dá de poser quando aparece o cara enfiando câmera na cara. Mas depois de cinco minutos começa a incomodar. Os caras gravam três horas e aproveitam duas! Duas horas! Fazem takes da cerimônia, da jogada do buquê, dos melhores momentos (sic), até da gravata... Aprenderam com a rapaziada da Record, só pode. 

Quem me encontrava na balada agora pode marcar uma horinha nas noites de sexta em filas do supermercado. Imagino a hora em que vierem os pimpolhos e a gente juntar os tios, avós, sobrinhos no sofá domingueiro pra rever festas e festas de aniversário. Ô! Malditos sejam os caras que inventaram câmeras de vídeo caseiras!

Sou só eu ou alguém mais que passa por aqui acha que a cama Queen ou King -sei lá- é muito pequena pra ser dividida? Apenas a Ana e eu vimos por enquanto o vídeo. Falta sentar no sofá da minha mãe, da minha irmã, do meu irmão, da minha sogra, do meu cunhado, das dez tias ou tios, de uns trinta amigos e de sei lá quem mais. Talvez até no nosso mesmo, quando ela sentir saudades. Aliás, já é item básico da bolsa da Ana uma miniatura do álbum que  o dono do foto teve a cara de pau de me cobrar 150 cruzeiros. 

Quem me encontrava sujo às seis da manhã na volta de um showzinho punk qualquer agora pode me ver bem mais imundo nas tardes de sábado, acocorado, aparando o jardim. Mais imundo e molhado quando me sobram calçadas.

sábado, junho 25, 2011

Respondendo a um post

Faz tempo que não escrevo ou ao menos faz tempo que não escrevo algo coerente e discorrido de forma racional no blog. Talvez contrarie a tendência de pessoas que dizem ser a escrita mais exercício disciplinado que pura inspiração. Bom, a questão é que é meio difícil ter disciplina enquanto se experimenta coisas novas amontoadas às antigas, virando um bolo doido de obrigações, exigências e prazeres, por que não?

Faz tempo também que queria escrever o que tô escrevendo agora. É mais fácil escrever do que se admitir piegas o bastante pra dizer cara a cara.  Aliás nem dá mais pra fazer isso. A gente está a uns 3.000 quilômetros de distância um do outro.

Confesso que quando li o post sobre amizade no seu blog me deu um nó na garganta. É foda, só pensar nela e a pieguice me pega. Dia desses, repassando na cabeça alguns relacionamentos que mantive nestes últimos anos, vi o quanto a coisa degringolou. Busca de amizade mesmo. Aquele tipo de amizade que você não espera nada em troca porque sabe que as pessoas também têm urgências absurdas e já mantêm seus cérebros ocupados com suas próprias piras. Sabem o quanto machuca ficar absorvendo a dor dos outros. Você não exige nada disso numa amizade. E se a pessoa simplesmente continuar sorrindo enquanto você chora você vai entender. Amigos só são palhaços pra deixar nossos momentos menos insalubres. Dizendo de forma direta: você não pede absorção, ela vem voluntariamente. 

Me lembro da primeira vez que trocamos algumas palavras. Era a galera cabaça que não ia pra bebedeira no primeiro dia de aula, tinha de pegar o ônibus de volta pra casa.

Me lembro das vezes em que a via chorando em suas crises pré-menstruais e perguntava por que estava chorando e ela dizia “não sei” e daí chorava por não saber por que estava chorando. Me lembro de quando começou a namorar e eu remoendo de ciúmes e ficou uma situação meio ridícula porque sempre fui bom em estratificar uma cara retardada de alegre e mentir sem contorcer os lábios mesmo quando estava totalmente destruído. Esta cara entrava em mim tão desgraçadamente que não me deixava nem chorar sozinho. Criava, e ainda crio bastante, fantasias esquizofrênicas entupidas de mentiras que nunca passaram de desejo (roubei do Tweedy). Me lembro de quando me perguntou como estava e me lembro de um amigo perguntando por que nunca tinha rolado nada entre a gente e me lembro de como ficava vermelho me imaginando dar mais tiros do que os pombos que podia derrubar, correr o risco de perdê-la pra sempre, perder sua companhia, sua voz, suas brincadeiras sarcásticas e seu sorriso escancarado entre goles regulares de cerveja e até suas crises de choro, de lágrimas doces que me desconcertavam talvez por achar lindas, pura demais.

Me lembro de ela tentando fumar e do dia que quis porque quis dar um tapa e eu agi como irmão mais velho hipócrita.. 

Nunca disse algo que pudesse denotar que às vezes tivesse misturado sentimentos e realmente os embaralhei mesmo no começo.  Mas foi melhor. Bem melhor. Além do mais a amizade é amor puro, a gente engole cobranças e depois aprende que não tem direito a cobrança alguma. Posso ficar dias, até meses, sem falar com ela e continuá-la amando. É minha irmãzinha.