sábado, abril 17, 2010

Sexo e literatura

Ele cavouca displicentemente ao redor duma margarida, e ela caminha. A cabeça dele faz o bosquejo oblongo da pista atrás da blusa branca e da calça negra coladas. Conversam de vez em quando. Ela simpática; ele, canhestro. Está chegando perto, mais perto, vai parar, ele se retrai. 
- Oi!
- Oi!
- Virou jardineiro? 
Dois fios engraxados voejam em semicírculo no rosto transparente, morrem refestelando-se nuns lábios rosados, cheiinhos de marcas verticais paralelas que os deixam maiores e mais concupiscentes. 
- Não consigo ficar quieto. Preciso sempre me perder em alguma coisa. 
Não é feio. Apenas outro normal nesta imensidão de coisas horríveis e pouquíssimas perfeitas. Anda e é notado sempre por alguma garota. Tem namorada. Mas ela está no livro “5.000 mulheres que nunca vou comer”. Depois de cada conversa neutra que tem com ela volta pra casa e massacra os dedos no teclado do computador. Literatura, grande invenção pra se vingar desta cor bege, fleumática, esta cor que carrega a repugnância da falta dum papo bacana e duma cara apresentável pra comer uma como ela de vez em quando! 
- Vou indo. Tenho que pegar meu irmão na escola. 
O irmão vai segurar aqueles dedinhos finos, aquela mão que deve ser bem macia mesmo magra, vai farfalhar seu braço no dela. Tem sorte esta peste de sete anos! Ele vai pra casa beber um pouco, já que amanhã arranca mais um dente e fica outra semana seco. Vai arrumar a cadeira, abrir um novo documento de texto enquanto toma Ballantine´s com etiqueta Direccion General de Recaudacion no gargalo até derreter as hemorróidas. Ela parou, conversou. Porque é educada. Que outra explicação você daria? Nem teve como jogar seu pseudopoder intelectual enquanto ela esteve ali. Falar duns caras fodões tipo Kundera e lhe explicar a inocência em acreditar em Deus ou nos partidos políticos. São assuntos que interessam apenas a pessoas iguais a ele, homens e mulheres que precisam se contentar com eles mesmos. Ela está indo atrás daquele desgraçado de moleque, vai derreter um beijo suculento na sua bochecha. E o pivete filho da puta volta rindo pra casa sem nem pensar em bater uma. O irmão se deu bem. Ele queria suster as suas mãos, mas elas vão especar o pirralho. Se pudesse estrangularia a amebazinha.
Pode ser que caras bonitões não saiam por cima com todas as mulheres que querem e se sintam meio imbecis e impotentes como ele. Mas ele não é todos os caras e é seu cérebro que chacoalha lá dentro agora. Deixaria até se sacrificar na burrice se a carcaça se refizesse, tomasse um lance estético aceitável. Refinamento intelectual, qualidade inventada pela feiura opaca mediana. 
Ele volta pra casa e umas crianças de espinha no rosto lhe sorriem. Roda o pescoço pro outro lado, merece um pouquinho mais de carne na bunda, no peito, e um rostinho simétrico, com tudo no lugar. Não é tão feio assim.

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