sexta-feira, março 26, 2010

Pós-modernidade

Esta é uma daquelas típicas salas de Empresa fodona. Branca, estante tabaco levemente afastada da parede, cadeiras design italiano, mesa espaçosa com papéis passados e ajeitados iguais a cuecas na gaveta. Note aberto. O telefone berra e Rodrigo empurra a porta com a pasta, escorre pra mesa. Celular no ouvido. 
- Sim, sim. Já tô abrindo meus e-mails, tô chegando. Só um minutinho. - Alô!
...
- Não, não dá. Tenho cliente daqui a quarenta minutos e preciso conferir meus e-mails prum negócio do Pedro. Só depois do almoço vou tá mais tranquilo.  Starta isto. 
Ô, adaptaçãozinha descabida!
- Desculpa, Pedro. Vamos ver aqui. 
Este é um daqueles típicos caras formados em UNI alguma coisa, MBA em administração nalgum canto. Trinta e três anos, Classe C1, mas já, já pula pra B2, IPhone 3G comprado do cara que comprou de quem comprara, prédio com vaga que dá pra entrar torto com o 307 reusado, Ferracini legal no pé, Paco Rabbane bocejando nas dobras do pescoço, mulher um pouco recosturada e dois filhos adiposos, olhinhos apertados. Há uma sala filé no apê, onde a LCD de 32 polegadas drapeja. Bom canto pra esticar tomando cerva no fim do dia ou mesmo um Red. Um bacana ele. Ao menos se esforça. 
- Posso entrar? 
- Só um pouquinho. - Claro, tô tentando resolver um problema do Pedro.  
- O Patrão quer aqueles relatórios. 
- Tudo aqui é pra ontem! 
Ô, clichezinho horrível! 
- Já vou lá.
Esta é uma daquelas típicas Empresas pós-modernas. Não é mais maneiro amputar os braços dos carinhas pra rodar máquinas sem intermitência; gravatas balançando daquele negócio redondo gigante, duro e tosco que não serve pra porra nenhuma -menos ver lolitinhas e somar um mais um- enfeitam legal as mesas. Os programas do RH lecionam todos os dias sobre liderança. Teve até palestra dum figura de nome rimando bem engraçado, fodão nestas bagaças, manja (Tatibitate, Carly Trapaly, Iabada Badu, algo assim)? De verdade, você perdeu. Inteligente pra caralho. A gente aprendeu... aprendeu... bom, o figura é engraçado. Nos parafusos que sustentavam crucifixos no começo, quadros com bordas douradas estão ali ensinando certinho Missão, Visão, Valores, estes trecos aí. 
- Pedro, é muita grana, arrebenta nossa margem de lucro. Só um pouquinho, me deixa atender o outro telefone. 
- Oi. 
... 
- Você já disse isto. 
...
- Me deixa terminar com o Pedro, sim? Já tô indo ver o que doutor Morais quer. - Pedro, o Homem tá louco atrás de mim. Diz pro cliente que esse preço a gente não consegue. 
...
- Se chorar, dá mais três por cento em cima do desconto anterior. 
...
- Se não quiser, fazer o quê? A gente não joga produto fora.  
Ô, jarguãozinho meleca!
Este é um daqueles típicos CEOs rotos serelepes doidos pra dar o cu pro Peter Drucker. Tem tudo arrumadinho. Funcionários reles fazem ginastiquinha; aos fodidões, convênios pra hemorróidas, gonorréia, cáries etcetera. Bastantes filhos, 1.103. Filhos bonzinhos; maus que vão tomar na bunda e a grana dum tonto! Ele é espertão. Gordo, mas faz a barba de manhã. Adora Armani e Prada. Se você quiser, também pode; é só trabalhar, rapaz! Ou acha que Ele ficou dormindo enquanto suas criaturinhas pastavam bonitinho? 
- O Senhor meu chamou? 
- Chega aqui, Rodrigo. Senta. 
- Demorei porque precisava acertar uns negócios com o Pedro, aquele meu assistente. E tenho uma reunião com cliente em menos de 30 minutos. 
- É bem rapidinho. 
- Os relatórios que o Senhor me pediu vou terminar amanhã cedo.  
- Faz dois dias que te pedi isso. 
- Eu sei, mas é que tive muito trabalho. Precisei deixar muita coisa em stand by
Vivam os inglesinhos!
 - Eu te pedi dia 24. 
- Bastante pepino. Prometo que amanhã entrego.
Esta é uma daquelas típicas Empresas entupidas de profissionais de endomarketing, aquele lance meio escatológico. RPs, jornalistas e gostosinhas do marketing andam lestos pra lá e pra cá pondo balões na mesa de quem morreu mais um ano, atolam as caixas de entrada com apresentações de Power Point, mas se esquecem do lenço; levam indicador, médio e anelar na boca-cu se alguém blasfema:“- Com a calça grudada assim fica parecendo que o Chefe tem boceta.” Pecado que dá inferno diretinho.  
- A Empresa precisa do esforço de todos. O seu sucesso é o sucesso da Empresa. A Empresa não são máquinas, são pessoas. Vocês são a jóia da coroa. 
Que dor de ouvido!
- Eu me esforço, de verdade. 
- Se você estiver bem profissionalmente, tudo se ajeita. É de amigo esta conversa. Não somos Patrão e empregado, somos amigos. 
- Sempre tive certeza. 
- Vê se não atrasa mais esse relatório. Também quero falar com você à tarde. Pensei num jeito de a gente aumentar nosso share em 5% em um ano e meio. 
- É um número espetacular. 
- A gente fala nisso outra hora. Corre pra reunião com o cliente, afinal ele é a nossa jóia da coroa. 
Ué, misturou tudo agora! Vá lá, ele sabe o que diz. E pedrinhas há de monte naquele troço. 
Esta é uma daquelas típicas horas em que Rodrigo sai da sala esvoaçando o paletó, pensa num caminho sem radar. O cliente espera, espera. A Empresa se mudou pr'este corpo gostosinho; a Empresa é ele. E esqueça esse negócio de que há alguém, oito e trinta da manhã, de pernas abertas. Rodrigo ajeita o cabelo no retrovisor. Um galo vermelho encimando a sobrancelha?! Bom, a Empresa não tem nem esta massa redonda esquisita, quem dirá com saliência e mancha!  

4 comentários:

Luciana Andradito disse...

você descreve as coisas com paixão mas de um jeito tipo "meu saco tá cheio" haha. sempre dá vontade de rir disso.

**** disse...

Hehehe. Meu saco sempre tá cheio, mas sempre volto. Ahahaha.
Beijos e obrigado por sua visita.

Serbão disse...

o pior é quando inventam de reuniao sempre com aquela conversinha de'feedback' , 'quebra de paradigmas', etc...

**** disse...

Ou quando estão trazendo alguém de Know-how.