Sentaram no sofá duro e rangente. Elisa encarava alguns quadros pendidos de pregos caiados. O Sol amornava-se ao vazar a cortina da sala curta e trôpega. Figuras desconhecidas, quase todas mortas. Normais e tristes. Avó, avô, tio, tia e mãe, uma família 31 anos atrás. Trinta e um anos atrás uma família, um quadro torto que não fazia diferença a ninguém agora. A panela e a tampa caída, o irmão sempre fora desleixado.
- O Novo Tempo que você anunciava talvez tenha chegado.
- Tanto faz.
- Por que tanto faz?
- Não assim.
Marcos ficou de pé, Elisa tinha os braços mortos no sofá, as mãos espalmadas pra cima. Pequena a casa, mas medrava sorumbaticamente aos dois, um grito alto e fundo vindo do quarto mudo com cama de casal, vidraças pra rua.
- Até ontem era o Filho de Deus e hoje diz que não é assim!
Ele andou à janela. Crianças apedrejavam um gato de patinhas amarradas numa cerca. Assestavam tijolos na barriga, no peito, menos na cabeça.
- A maldade se torna bela em seus risos.
- Quem? – perguntou Elisa.
- As crianças. O gatinho berra e elas riem cheias de satisfação. Se pudessem amarrariam um amiguinho, mas a mãe não ia deixar.
- Que tão fazendo?
- Matando um gato.
Rastejou pro lado de Marcos, se encarnando.
- Assassinos! Vou chamar a polícia. Assassinos!
- Cala a boca. Deixa elas brincarem.
Esbugalhou os lábios ao irmão, apertando-lhe o pescoço.
- Tão matando o gatinho! Tão matando o gatinho!
Sem enrugar a testa Marcos cingiu-lhe os pulsos até que os dedos dela pularam. Elisa bufava.
- Não era para ser assim – disse Marcos jogando o tórax pra fora da janela.
- Você contava que tudo ia dar certo.
- Disse que mamãe estaria comigo. Eu a salvaria.
Folhetos de ofertas dum supermercado rolavam tranquilos ao bueiro, os raios de sol irisando as cores. O gatinho estava amarrado, mas as crianças haviam ido. Duas velhas observavam-no fincadas nos portões. Meninas de 15 anos esvoaçavam as pernas sobraçando as dobras do vestido que cada dia subiam mais.
- Era pra Deus salvá-la.
- Mas foi. O médico disse que foi milagre ela não ter morrido depois de tanto tempo sem ajuda.
- O médico a salvou. Médicos não fazem milagre, fazem medicina.
Três anos mais velho. Quem podia dizer!? O rosto glabro, as orelhas finas e as mãos sem virilidade. Uma criança. Ou uma menina de bolas.
- A Salvação pode ser a nova vida que chega a nós, que chega a ela. Temos uma nova chance, novo recomeço. A Salvação pode estar no recomeço.
- Recomeço, recomeço. Tudo recomeça e recomeça! Já deu.
- O Novo Tempo que você anunciava talvez tenha chegado.
- Tanto faz.
- Por que tanto faz?
- Não assim.
Marcos ficou de pé, Elisa tinha os braços mortos no sofá, as mãos espalmadas pra cima. Pequena a casa, mas medrava sorumbaticamente aos dois, um grito alto e fundo vindo do quarto mudo com cama de casal, vidraças pra rua.
- Até ontem era o Filho de Deus e hoje diz que não é assim!
Ele andou à janela. Crianças apedrejavam um gato de patinhas amarradas numa cerca. Assestavam tijolos na barriga, no peito, menos na cabeça.
- A maldade se torna bela em seus risos.
- Quem? – perguntou Elisa.
- As crianças. O gatinho berra e elas riem cheias de satisfação. Se pudessem amarrariam um amiguinho, mas a mãe não ia deixar.
- Que tão fazendo?
- Matando um gato.
Rastejou pro lado de Marcos, se encarnando.
- Assassinos! Vou chamar a polícia. Assassinos!
- Cala a boca. Deixa elas brincarem.
Esbugalhou os lábios ao irmão, apertando-lhe o pescoço.
- Tão matando o gatinho! Tão matando o gatinho!
Sem enrugar a testa Marcos cingiu-lhe os pulsos até que os dedos dela pularam. Elisa bufava.
- Não era para ser assim – disse Marcos jogando o tórax pra fora da janela.
- Você contava que tudo ia dar certo.
- Disse que mamãe estaria comigo. Eu a salvaria.
Folhetos de ofertas dum supermercado rolavam tranquilos ao bueiro, os raios de sol irisando as cores. O gatinho estava amarrado, mas as crianças haviam ido. Duas velhas observavam-no fincadas nos portões. Meninas de 15 anos esvoaçavam as pernas sobraçando as dobras do vestido que cada dia subiam mais.
- Era pra Deus salvá-la.
- Mas foi. O médico disse que foi milagre ela não ter morrido depois de tanto tempo sem ajuda.
- O médico a salvou. Médicos não fazem milagre, fazem medicina.
Três anos mais velho. Quem podia dizer!? O rosto glabro, as orelhas finas e as mãos sem virilidade. Uma criança. Ou uma menina de bolas.
- A Salvação pode ser a nova vida que chega a nós, que chega a ela. Temos uma nova chance, novo recomeço. A Salvação pode estar no recomeço.
- Recomeço, recomeço. Tudo recomeça e recomeça! Já deu.
4 comentários:
vc é um escritor, e está pronto!
Pronto, bonito e gostoso. ahahahaha...
Abraços, Sérgio!
Legal, gostei.
Há braços!!
Tu és sempre bem-vindo, Mauro.
Há pernas!
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