terça-feira, agosto 30, 2011

Dia sinestésico

Tá soprando um bafo úmido e quente no minúsculo jardim sombreado pela arcada robusta e velha duma arquitetura que não é porque é velha que se salva. A gente trabalha aqui faz oito meses. E ninguém tem ideia de quando volta pro andar redivivo, cortado a paredes de gesso, mesas, ar condicionado, portas encostadas e barulhos de teclado indo e batendo nas divisórias, voltando pro ouvido aguçado na surdez de um escritório onde ninguém vê ninguém.  

A sede fica num prédio que tem menos de 30 anos e já se esboroa inteiro. Ia pra janela fumar e observava as pessoas lá embaixo. Quase sempre as mesmas. Nunca lhes disse “oi!”, mas viraram amigas; a amizade é uma atitude autorreflexiva. 

Trabalho numa sala antigo quarto -a gente tá numa casa transformada em ponto comercial-, com uma grossa porta de peroba de maçaneta rococó que chega a lixar as mãos, dura e áspera. Fumo, na maioria das vezes, na edícula da churrasqueira, a churrasqueira entupida de cinzas das pessoas que moraram aqui algum dia. 

Semana passada comecei a ir fumar de vez em quando lá fora, perto do jardim. É uma rua bonita. Vagueiam pessoas comuns, senhoras carregando sacolas de supermercado, mães voltando do colégio de mãos dadas com pivetinhos naquela idade em que todos são “uma gracinha!”. Só se estraga pela modelagem invasiva de construções velhas e novas. Fariam falta nenhuma se sobraçassem. 

Quase sempre o calor me dá coceira, enche a pele de vergões. Menos o hálito morno desta tarde.

Enquanto fazia aulas pra carteira de moto, meses atrás, tive a sensação de ser levemente arrastado pelos ares, como se flutuasse. Fui pro carro e demorou uns minutos praquele “arrancamento” murchar -ninguém em casa teve moto-, ia esmaecendo e eu o segurando, tilintando os dentes, afrouxando os dedos pra alongar um tiquinho a satisfação de ter chupado um estranhamento ao “natural”. 

Já não faz diferença se tô de carro, a pé ou de moto. Merda! 

Na frente da casa, olhando de soslaio à esquerda numa curvatura de não sei quantos graus, se vê ao fundo mais grama e árvores marcadas por nódoas cinza mas carregadas de folhas verdes  adejando sobre o telhado do ginásio municipal. Se se mantiver concentrado nem dá pra sentir o concreto que suja os irisados raios de sol destilados entre essas árvores gigantes; pintam a grama com ouro. Não dá pra ficar muito. Mas é um intocável respiro prum dia corrido, dia útil, dia de trabalho, dia de corroer os miolos salvando a pele dos outros enquanto a minha vai sendo salgada pro jantar.

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