segunda-feira, maio 18, 2009

O sapo

Parou o carro no meio da rua. Baforava o cigarro, escamoteando entre os passantes uma figura ausente, perdida. Tinha de xingar alguém, alguém que não tivesse forma, que lhe faltassem rosto, mãos, cabelos; cutucara e vociferara a muitos, mas aparecia em casa com o rosto inchado ou intumescências regateavam-se nas bochechas.
- Filho da puta! -arrancou enquanto um cara de três metros, espadaúdo, o olhava sem entender.
Culpa deste sapo rangendo na barriga. Sapo irritadiço e folgado, metido num terninho, de língua bem comprida, lambendo-lhe os beiços cada vez que se abaixava.
Sapo não lavava o pé. Era porco, então. Se pulasse a longas distâncias, podia-se dizer que o coelho seria o sapo, não ele. Grande parte do tempo gastava cheirando o cu das sapas. Quem cheira cu?
E o carro rastejava-se no asfalto quente, tirânico, grudando piche e buracos nos pneus.
- Ande mais devagar, minhas patas estão se soltando -olhou para cima.
- É o mais devagar que posso. Você é imprestável, nem sabe se portar numa viagem.
- Se eu soubesse o que fazer numa viagem -disse, enquanto esticava sua língua ao nariz do embasbacado chofer- não seria sapo, seria caixeiro.
- Está bem. Já xinguei um imbecil. O que você quer que eu faça agora?
- O que você quer ser agora?
O sol estava quente. Lá fora, o ar vago chapava. Uns, laricados; outros, lesados. Estava na inércia entre serem pessoas ou se faltava muito para perderem o número escarrado em código de barras. Uma putinha de saia curtíssima e pernas diáfanas saracoteava duma esquina a outra; tinha 20 anos, mesmo aos 15.
- Quero ser forte -disse, ofegando.
- Simples. Pense que é tão fraco que não consegue nem rodar o volante.
Ele pensou e o volante se contorceu em seu eixo, a direção era hidráulica.
- É forte! -os olhinhos do sapo brilharam. -Posso lhe dar um beijo? -perguntou enquanto enfiava a língua na boca do motorista.
- Que nojento! Você é um sapo.
- Como posso ser eu?
- Sendo você e, como você, não passa de um sapo estúpido.
- Não falo com sapos -disse, chacoalhando os ombrinhos.

3 comentários:

Luciana Andradito disse...

hahaha. adorei. gosto muito de putas e cu. volte sempre que quiser. adoro receber.

Nelson Moraes disse...

Murilo Rubião reloaded. :-)

**** disse...

Só se for porque este texto de tão absurdo e ordinário chega a ser surreal.
Bom ter vc na casa, caro Nelson, volte sempre