sexta-feira, abril 01, 2011

Bolsonaros não nasceram esta semana

Devia ter uns 16, 17 anos. Certa tarde, durante um treino de futsal no colégio, o professor me chamou no meio da roda e pediu: “Me diz três semelhanças entre preto e boceta.” Fiquei meio fodido, ia sair merda dali, mas calado. Ele continuou: “Os dois têm grandes lábios, cabelo pixaim, e não adianta lavar que daqui a cinco minutos estão fedendo.” O círculo de loirinhos de olhos azuis riu alto pra cacete.
Um parêntesis sobre o lugar. Chamava-se Colégio Evangélico, passou pra Carlos Renê Egg e hoje, se não me engano, é Decisão. Quando era Evangélico, tinha parceria com o município –quase ninguém pagava mensalidade-, depois virou particular mas com preços populares e nem tão pesado assim no ensino. A maioria daqueles moleques era descendente da leva de empresários que dominam a cidade. Paravam ali porque tinham se fodido ou iam se foder no Mãe do Divino Amor, São Camilo, Prisma. Digo isso pra salientar um fato importante: Arapongas nunca teve e dificilmente terá pelos próximos 10, 20 anos a formação de uma elite intelectualizada, que trata o preconceito de jeito maternal, como se nós, os negros, fôssemos bichinhos de estimação merecendo cuidados e misericórdia. Resultado de uma elite econômica pura, somos tratados aqui também como bichos, mas que devem ser amarrados numa árvore pras estilingadas. Vivo isso desde o prezinho. 
Desconheço ambientes daqui, e olha que frequento muitos -quase nunca por prazer-,  em que piadas ofensivas a negros não rolam soltas. Todo mundo as conta, até os próprios negros. Mas os homossexuais sofrem mais que nós. Pouca gente realmente os respeita, até aqueles que dizem defendê-los. Eu já vi bastante.
Não ia escrever nada com relação ao Bolsonaro por achá-lo tão medíocre que nem merece. E fazendo isto sei que estou ferindo outra regra deste blog, não tratar de nada que TVs, jornais, rádios e sites papagueiam. Mas escrevo justamente por causa destas TVs, jornais, rádios e sites que papagueiam. 
Incrível como a imprensa tem a capacidade de criar coisas por geração espontânea e instantânea! Até semana passada vivíamos num país em que negros eram respeitados, homossexuais possuíam seus direitos, e todo mundo podia tomar um chopinho no bar e conversar -branco, negro, hétero e homo- em harmonia. Agora não! De segunda prá cá cresceu uma corja de preconceituosos nefandos! Bolsonaros, eu convivi com eles minha vida inteira e nunca saiu um dedinho, nem um dedinho assim, das coisas que passei, o professor que me comparou à boceta é só um exemplo. Podem dizer, ninguém nunca fez nada porque não denunciei; pra diretoria, pro conselho escolar, pro caralho-a-quatro. Mas racismo e homofobia são institucionalizados! Tanto pelos agressores quanto pelos agredidos. Quem comete sabe que vai ficar de boa. Quem sofre não fala, sabe que não adianta porra alguma. E não me venha dizer o contrário. Nas poucas vezes em que tentei contar, me respondiam que era só uma brincadeira, sinal de que gostavam de mim. “Liga não.” Talvez este seja um dos motivos de nunca mudar de colégio: é fado. Engraçado, dia desses listando pruma colega de trabalho os motivos que me fizeram detestar a escola e sua corja, ela disse: “Mas você nem é negro! É moreno!” Ah, bom se eu fosse negão então podia? Então tá, né.
Mesmo quando um defensor se levanta pra gritar contra o preconceito (coisa pouco comum em Arapongas), age como se a gente fosse um bichinho de estimação indefeso. Eu, sinceramente falando, prefiro o desprezo à compaixão.  A abolição não chegou ainda. Somos tratados como produtos. Ora pra justificar a nossa defesa; ora, a nossa chacota. Acontece faz tempão pra caralho, coleguinhas de profissão. Nasceu essa semana, não.

5 comentários:

Profª Bruna disse...

Olá, sou dona do antigo Livro de Memórias. Agora possuo este endereço, vou favoritá-lo aqui. Aliás, gostei muito do teu espaço. Abraços

**** disse...

Olá, Bruna! É você, né? rsrsrs Obrigado pela visita. Seja bem-vinda a minha casa. Abraços!

Bruna disse...

Sim! Sou eu! A propósito:

Arapongas nunca teve e dificilmente terá pelos próximos 10, 20 anos a formação de uma elite intelectualizada, que trata o preconceito de jeito maternal, como se nós, os negros, fôssemos bichinhos de estimação merecendo cuidados e misericórdia. Resultado de uma elite econômica pura, somos tratados aqui também como bichos, mas que devem ser amarrados numa árvore pras estilingadas.


Só posso louvá-lo pelas palavras, e admitir que realmente Bolsonaros não são de hoje, e infelizmente nos veremos livres dessa corja pelos próximos anos. Abraço

Bruna disse...

Sim! Sou eu! A propósito:

Arapongas nunca teve e dificilmente terá pelos próximos 10, 20 anos a formação de uma elite intelectualizada, que trata o preconceito de jeito maternal, como se nós, os negros, fôssemos bichinhos de estimação merecendo cuidados e misericórdia. Resultado de uma elite econômica pura, somos tratados aqui também como bichos, mas que devem ser amarrados numa árvore pras estilingadas.

Só posso louvá-lo pelas palavras, e admitir que realmente Bolsonaros não são de hoje, e infelizmente não nos veremos livres dessa corja pelos próximos anos. Abraço

**** disse...

Obrigado, cara Bruna, por sua extremada gentileza.
Você é sempre bem quista nesta casa simples, mas que não tem nada de humilde, rsrsrsrs.