domingo, fevereiro 08, 2009

Barrett e a capacidade de entender

Senti, hoje, falta para caralho de Syd Barrett. Corri ao computador e fiz uma playlist com os dois álbuns solos do cara. Enquanto Baby Lemonade queimava naquela voz gutural - às vezes, esgarçarda - deitei na cama, me enrolei no edredom e contorci os pés. Barrett nasceu em Cambridge, em 1946, e morreu aos 60 anos. Sua arte entrou numa fase legal da minha vida. Poderia estar ouvindo agora porcarias new metal, trash, hardcore. Mas não. Foi-me apresentado na faculdade por um colega que considero bastante, apesar de ele não nutrir o mesmo sentimento por mim. E com muita razão. Fui filho da puta com ele.
Não diretamente Barrett chegou aos meus ouvidos, mas o som de Wish you were here e Dark side of the moon, duas homenagens a ele descaradas. Porra! Que paulada na cabeça! Totalmente diferente das merdas que ouvia (Guns, Red Hot e afins).
Comecei a fuçar. Fuçando, fuçando, encontrei The piper at the gates of dawn. Se da primeira vez dissera “porra”, fiquei, agora, boquiaberto, a baba escorrendo. Nunca tinha escutado algo tão intenso, nostálgico, delicado, alegre, energizante, chapado, depressivo, difícil - resumindo, uma infinidade de paradoxos. Barrett deixou o Pink Floyd após o estouro do primeiro álbum. Na verdade, o grupo já havia começado a gravar o segundo e alguns singles. Entretanto o guitarrista e principal vocalista da banda estava mais antenado aos porres de ácido. Quem quiser saber mais, há bastante coisa aqui (todo mundo desce a lenha na Wikipédia - pelos menos, em relação a Syd, é um site crível em português) .
Ele disse em uma entrevista, após ter lançado o segundo álbum solo, que sempre quisera que os jovens tivessem diversão. Entretanto seu cérebro era uma caixa incompreensível e coerente. Não ficava feliz com o que fazia. Praticamente autista, tinha problemas em construir amizades.
Outra porrada na cara, Brian Wilson. Com sua surf music, agitava as baladinhas na década de 60. Foi a resposta à altura que os Estados Unidos deram ao rock inglês, principalmente aos Beatles. E ponha emulação nisto! Um mestre, o chapado e doente mental Wilson. Sua vida e música (apesar de não tão intensa quanto a de Barret) mostravam-se discrepâncias puras. O cara era fora dos padrões. Num natal deu de presente a dois filhos seringas carregadas de heroína. Agora está mais comportadinho.
Quando me pego ouvindo The Gnome, dos Floyd, ou Good vibrations, dos Beach Boys, faço uma pergunta estúpida e recalcitrante: “Os caras que compuseram estas músicas eram realmente fodas: como posso ter a pretensão de achar entender o que dizem?” Transmutavam a angústia dos movimentos complexos de seus cérebros, ao mesmo tempo em que a envolvia numa letargia doce. Quem não se rende a Bike, para mim uma das mais belas canções de amor?
Se o máximo outorgado a nós, brasileiros, é cultuar Renato Russo, Humberto Gessinger, Lobão e Cazuza, estamos mesmo fodidos.
PS. Trecho da letra de Bike que explica por que a considero perfeita:
I've got a bike
You can ride it if you like
It's got a basket
A bell that rings and
Things to make it look good
I'd give it to you if I could
But I borrowed it
You're the kind of girl that fits in with my world
I'll give you anything, everything if you want things

3 comentários:

Cássio Gonçalves disse...

Desde os 8, 9 anos não consigo me imaginar longe do rock (entende-se a significado genérico do termo).
É interessante observar as mudanças ou "evoluções" no gosto de quem curte esse ritmo (não sei se acontece o mesmo com o sertanejo ou o forró, por exemplo rsrs).
No caso do rock internacional, sempre começa por ali: Michael Jackson (é considerado rock...rsrsr), Nirvana, Guns, Red Hot, passa pelo Iron, Metallica, uns punks e vai parar lá nos metais mais pesados ou nas raízes mesmo.
No nacional, começa-se pelos Raimundos, Legião, Raulzito e depois, Engenheiros (que eu acho que requer um pouco mais de maturidade para apreciar)e termina-se ou ouvindo as merdas que rolam hoje ou parado no passado ao som dos tropicalistas ou dos mutantes...
Não sei se é assim com todo mundo. Mas quando algum roqueiro "experiente" pergunta o que você está escutando e você responde "Legião" ou "Nirvana", a pessoa reage com um certo desdém. Como se essas bandas fossem o ensino básico do rock. Daí começam a ensinar, com aquela arrogância de "curtidor de rock profissional ", as bandas que deveríamos escutar. É engraçado.
Tipo, eu adoro os Beatles, Bob Dylan, Doors, Pink Floyd, mas ainda curto e acho importantes as contribuiçôes ao gênero de Nirvana, por exemplo. Ainda que escute muito pouco hoje em dia.
Não gosto da idéia de curtir um som por período e depois menosprezá-lo. São caras que fizeram parte da minha formação, saca? Seria meio que ingrato.
Tenho uma predileção especial ao que é feito aqui. Desde a Jovem Guarda, que trouxe o ritmo pro Brasil, até Renato Russo, H.G., Raulzito e um dos músicos mais abstratos e geniais que já ouvi, o transroqueiro Caetano Veloso. Só pra dizer os pop's...
É uma galera que fala minha língua. Apesar de concordar que as pessoas devem ser mais cosmopolitas e de saber que a música fala aos sentimentos e que portanto é universal, acho que os sons nacionais falam mais sobre mim... sei lá... tem toda uma coisa de contexto e de letra de música mesmo. Acho, por exemplo, ridículo um compositor brasileiro que escreve em inglês. Angra, puta banda, mas putz... sem noção...

Enfim, acabei me impolgando... gosto do assunto e vc me provocou...
Barrett... ainda não ouvi. As "responsas" tem me deixado um pouco defasado... Vou procurar. Por você te-lo colocado ao lado de Bryan Wilson, o som deve ser genial.

Um abraço.

**** disse...

É bem bacana seu espírito defensor do rock nacional. Em essência, na minha modesta opinião, o movimento nacional não é tão amplo, pelo menos o que chega a nossos ouvidos. Um rock tupiniquim é difícil de se encontrar. Por exemplo, se tirarmos Mutantes, Secos e Molhados, algumas coisas de O Terço, o que nos sobra?
Acho Caetano dos anos 60 e 70 genial, principalmente na fase em que ele foi influenciado por Torquato Neto. Mas não o consideraria um roqueiro -para mim o termo rock é tão genérico que as coisas podem evoluir de um alternative country a um post-rock; mas as definições, acredito, ficam por conta da idissioncrasia do ouvinte. E há muitas coisas ótimas que distam quilômetros do rock, para mim. Por exemplo, Tom Zé. É um músico do caralho, mas não o taco na sacola dos roqueiros rsrs.
Escutei quase tudo isto que você citou. Apreciava, para dizer a verdade. Mas quando comecei a ver outras formas de composição, de disposição dos elementos, porra! O sol tisnou minha cabeça, garoto. Tanto que se você prestar atenção no trecho de Bike no post, você verá que o amor é roçado de maneira deveras sutil. É isto!
Em relação às críticas que fiz à Legião, Engenheiros etc., desculpe-me, mas, sinceramente, não consigo escutá-los após a detonação dos riffs psicodélicos do Pink, Stones, Sonic Youth. Ah, curto para caramba Raimundos, assim como Garotos Podres, Ramones e Sex Pistols. Bom, se for citar, há várias pencas enormes de bandas.
Vale prestar atenção nas letras também de Lambchop e Wilco.
Good Vibrations para você

Cássio Gonçalves disse...

Pois, eh... Como te disse, não ouço essas bandas como antes. Reconheço que existe um universo musical muito além do rockBrasil. Defendo, sim, que não devemos desprezar nossas raízes que, em último caso, servem de parâmetro para novas apreciações. E outra, falo um inglês patético e não confio muito em traduções (o sentido e a poética perdem um pouco a força), apesar de reconhecer boas letras nesse idioma.
Quanto ao transroqueiro Caetano, como destaquei, acho que ele TRANScende qualquer rótulo musical. Ele é um músico, quero dizer, um poeta músico quase no sentido pleno. E de, certeza forma roqueiro também, por que não ?, afinal colaborou para o sucesso da Jovem Guarda (os primórdios do Rock nacional), participou da carreira dos próprios Mutantes e já gravou Cd's de rock. Mas o cara é muito mais do que roqueiro. Pra mim, representa tudo o que há de mais louco, aberto e criativo na música brasileira, apesar de seu auge ter passado. Um ícone da nossa cultura.
Porém, reconheço que preciso abrir um pouco meus horizontes musicais pra outras formas de composição. Valeu, quanto a isso.